23:18 no relógio da mesa de cabeceira.
- amor, você escovou os dentes?
- sim.
- escovou? bochechou? passou fio dental?
- sim.
- usou aquela maquininha que vibra?
- aquela que faz sangrar a gengiva?
- isso, se você estiver com placas é claro.
- usei. um pouco. mas usei.
- deixa eu ver. abre um sorriso. deixa eu ver a língua.
- como?
- a língua.
- assim!?
- é, tá bem avermelhada. cor saudável. a textura parece estar boa. só mais uma coisa, aquele dentinho que sempre tem uma carninha agarrada lá embaixo.
- esse?
- tá limpo.
- tá.
- então dá um beijinho de boa noite que eu vou dormir.
09:06 no relógio sobre a mesa da cozinha.
- sucrilhos.
- oi?
- passa o sucrilhos.
- mas você come pão francês sem o miolo com manteiga becel desde que eu te conheço?
- sucrilhos, corn flakes, com lascas de chocolate. quero mudar.
- mas roberto, depois de 28 anos? trocar o pão quentinho sem miolo que a vera comprou na padaria por sucrilhos? o que deu em você?
- sei lá, acordei com vontade.
- mas, não consigo digerir isso. 28 anos depois. que loucura.
- é, essas coisas acontecem.
- essas coisas?
- é trocar.
- roberto, você está querendo insinuar alguma coisa com essa conversa?
- caramba, eu pedi sucrilhos e agora esse drama todo...
- mas foram 28 anos, porra, comendo pão sem miolo com manteiga becel!
- foram. você disse certo. foram.
- mas, mas, daqui a pouco você olha para mim, assim, numa manhã como essas, aqui na mesa, despenteada, com o rosto nu. com remela agarrada no canto dos olhos, olheiras que brotaram debaixo dos olhos e nunca mais sairam, e... e... e
- e?
- e, sei lá, assim, você pode começar a pensar coisas.
- coisas?
- é você pode olhar para o meu cabelo desgrenhado, a cara amassada. eu, comendo o pão sem miolo com manteiga becel.
silêncio.
- roberto, diz alguma coisa!
silêncio.
- porra roberto.
- calma. tô pensando.
- em mim!? no meu cabelo. na minha pele. porra roberto!
- não, não. se eu coloco lascas de banana sobre o cereal sobre o sucrilhos. sabe? como fazem nos comerciais.
bela. a menina que se achava feia.
-
bela nasceu com um nome que descrevia seu rosto, sua pele, sua
personalidade. enfim, bastava bela se apresentar para todos entenderem quem
era ela. "bela, ...
Há 15 anos
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