quinta-feira, maio 31, 2007

o plano do couvert português.

sempre tive uma relação de amor e ódio com couvert de restaurante. se de um lado a pourra do couvert mata a fome quando seu estômago mais ronca— também fódi com o apetite das pessoas. você foi até o restaurante comer o tal ojo del bife argentino e acaba matando a fome com lascas de pão mergulhadas nas bolinhas de manteiga. outra coisa também é que o couvert invariavelmente infla qualquer conta. quantas pessoas estão na mesa? então multiplica esse número por 5,90. não tem jeito, se não o apetite, o couvert acaba fodendo o seu bolso. aqui em portugal o couvert é diferente. tem o mesmo pão. as mesmas manteigas. os mesmos patês e queijinhos. de longe é idêntico. mas quando chega a conta é que você vê a diferença. aqui se cobra pela unidade. tinham três pães no cesto e quatro potinhos de manteiga? bom, mas você só meteu a mão em dois pães? e abriu apenas um pote de manteiga? ah, meu amigo, então é isso que você vai pagar pelo couvert. dois pães e um pote de manteiga, discriminados na conta. se em um outro restaurante você optar por ficar brincando com o mini-queijo, e der um gelo no pão... você paga apenas pelo mini-queijo. nada mais justo. nada mais democrático. se em são paulo a facada do couvert era daquelas facas gigantes usadas para fatiar peças de alcatra, a daqui é daquelas de passar manteiga e sem serra. o plano do couvert português é sensacional. tenho certeza que se tivesse no brasil algo similar, você se sentiria menos trouxa. menos forçado a socar a pança com pães, “eu tô pagando couvert então foda-se, vou comer todos os pães de queijo do restaurante! vou foder esses caras.” mas não, quando você é forçado a pagar uma grana pelo couvert e come para se vingar, está é estragando o seu jantar. aqui o couvert tem o tamanho e o preço que você bem entender.não sei qual é a relação que você tem com couvert de restaurante. mas se estiver em portugal,pode ser uma relação bem flexível.

terça-feira, maio 29, 2007

o intervalo do cinema. ou "pára tudo, pára o beijo, o pôr do sol, a perseguição implacável... que a gente volta em cinco minutinhos..."

em alguns lugares aqui em lisboa, cinema tem intervalo. cinco, três minutos. no momento em que o mocinho está prestes a beijar a mocinha. é, aqui, as vezes, o detetive tem que puxar o freio de mão do carro que está perseguindo pelas ladeiras de são francisco? no brasil não existe. e se acontecer algo parecido as pessoas gritam para o rapaz atrás do projetor, gesticulam, chamam o gerente. fazem tudo, menos sair para fumar um cigarro. o intervalo no meio das sessões de cinema é curioso. a primeira vez fui apanhado de surpresa, entrei sem ver a faixa que avisava a pausa do filme presa no cartaz. levei um susto. não um susto alfred hitchcock, um susto daqueles que você tem quando falta a luz em casa. neste caso, a luz veio. acenderam-se as luzes do cinema. e como ninguém reclamou, ninguém xingou, ninguém correu para a saída de emergência mais próxima, fiquei tranquilo. minutos depois, o filme continou e todos viveram felizes para sempre. acho que o intervalo nos cinemas daqui têm um lado bom. um só. que não está ligado a um segundo balde de pipoca. um lado muito bom. porque, se no brasil eu passava o filme ouvindo o casal de trás conversar e só podia olhar na cara deles no final do filme. o intervalo do cinema permite um duelo. uma troca de olhares. uma quase ameaça. o intervalo do cinema é perfeito para acabar com pessoas que falam. acendem-se as luzes e tudo que você precisa fazer é virar-se para trás e olhar como quem diz: “eu sei que são vocês que estão falando. e se vocês continuarem, no final do filme voltaremos a conversar.” silêncio total prossegue tal troca de olhares. é inevitável. principalmente quando o filme que corre pela tela é o de algum serial killer cuja identidade nunca foi identificada pela polícia.

sexta-feira, maio 25, 2007

moedas que valem mais que notas no brasil.

no brasil eu sempre tive alergia a moedas. não me entenda errado. gosto de dinheiro. nunca destratei um centavo. mas as moedas escorriam do meu bolso para a bolsa da minha mulher. chegava em casa e colocava as moedas sobre a mesinha da cozinha. nunca tive uma carteira que tivesse aquele mini bolsinho para carregar moedas. no brasil, com moedas, você compra chiclete, assim no singular. mas aí, bom, aí chegando aqui eu me deparo com as moedas de euro. a de 50 centavos, a de 1 euro e a de 2. a de 2 euros é a fucking fuckers master das moedas. a imperadora intergaláctica das moedas. a darth vader das moedas. vai valer assim na casa do caralho. e o foda é que eu demoro pra acostumar. sempre me fodo. sempre esqueço moedas no fundo da mochila. nos bolsos das calças. já deixei uma vez sobre a mesa de um restaurante. era um puta troco fudido. e nem me toquei. com pressa de pegar o cinema, vi de longe umas moedas se aproximar e pensei "ué, moedas, vou deixar pro fera que atendeu a gente!" deixei uns 30% de gorjeta. uma conta de 14 euros, 4 euros de gorjeta. moeda aqui é foda. tenho medo delas. quando compro um jornal, uma bala, um café-- e vejo que vou receber moedas de 1 ou 2 euros-- corro para a carteira e tento fazer alguma matemática que possa me ajudar numa troca por uma nota de papel. aprender a lidar com as moedas vem do dia-a-dia, é costume. ainda vou perder muito dinheiro aqui. dia desses retornei para o tal restaurante da gorjeta de 30% e o mesmo garçom quase brigou com uma tiazinha para me atender. neste dia ele atendia uma outra parte do restaurante. discutiu com a tiazinha. queria porque queria atender a minha mesa. a tiazinha não entendeu nada. mas nada mesmo. afinal, naquele dia eu já estava mais íntimo das moedas e de seus respectivos valores. naquele dia, ela deve ter recebido uma das piores gorjetas da sua vida. ficou puta com o tiozinho e comigo. nessa ordem. culpa das moedas. que como o título deste textinho diz, valem mais do que notas no brasil.

quarta-feira, maio 23, 2007

os abutres do ponto de ônibus. ou quando você fica com a saca cheia e pega um taxi.

o sistema de autocarro, de ônibus em lisboa é sensacional. mas as vezes, as vezes, demora um tiquinho mais do que o comum. a noite principalmente, o serviço funciona de 20 em 20 minutos ao invés dos 10 em 10 da parte da manhã. zuzo bem, é só ser um tiquinho paciente. mas é aí, é nessa hora que os abutres atacam os pontos de ônibus. quando você está cansado do trabalho. quando tudo que você quer é chegar em casa e mergulhar o rosto no prato de pataniscas de bacalhau. quando você está contando os minutos para assistir mais um episódio de algum programa que você não sabe o nome, mas tem aquele ator que era amigo do forrest gump. é nessa hora que os taxistas começam a circular pelos pontos de ônibus. eles passam devagarzinho. olham para o ponto, dão uma bocejada para você fazer o mesmo e seguem em frente. mas muitos, muitos mesmo seguem em frente com um novo passageiro no banco de trás. um passageiro que estava ali no ponto. um plano interessante, curioso, marvado. os taxistas, os abutres se juntaram num belo dia e bolaram esse plano: "e se a gente, com o pôr do sol, passasse a circular lentamente pelos pontos de ônibus da cidade para pegar lisboetas e turistas. tiozinhos cansados. jovens esfomeados. abutres. fêlas. já fui vítima desse plano algumas vezes. um dia, com fome estava lá encostado no ponto quando passou um taxista que tinha em uma de suas mãos, um sanduíche que escorria queijo pelas beiradas.ele deu uma baita mordida e olhou fundo nos meus olhos. pulei em cima do capô do carro dele. cheguei em casa e montei um sanduíche idêntico. ele me deu a receita. o truque do bocejo também é infalível. o taxista passa lentamente e solta um bocejo. você boceja de volta e uma pequena parte do seu cérebro grita: "ôpa, que sono hein fera! vâmo pegar esse taxi e chegar mais cedo em casa pra cair debaixo das cobertas?!" nesse eu já caí umas três vezes. o serviço de autocarros daqui é fantástico, mas os abutres do ponto de ônibus podem atacar a qualquer hora. moral da história: tenha sempre, sempre 5 mangos no bolso da calça. deixe de almoçar, mas não gaste esses 5 mangos. como você já sabe, os abutres estão sempre por perto. e você, sempre longe de casa.

colaboração de sergio lobo. que numa quarta-feira friorenta apontou para um taxista que se aproximava do ponto de ônibus e disse: "esses taxistas são foda, desaceleram quando passam na frente do ponto só para tentar a gente."

segunda-feira, maio 21, 2007

o porto e o necaxa.

o porto foi campeão português. mas você tem que fuçar nos jornais para descobrir os detalhes do jogo. isso, porque quem mora em lisboa odeia o f.c. porto. se você começar uma frase com "o time do porto...", é melhor terminar com um palavrão. não se fala do porto aqui. não se comenta. depois do jogo ontem, não escutei uma só buzina nas ruas. nenhum grito de campeão. é como se não existisse a última rodada do campeonato português. quem nasce em lisboa é benfica. acho que é por lei. não se pode discutir, tem que aceitar e adorar o benfica. a sensação que eu tive aqui é a seguinte: é como se eu estivesse morando em são paulo, e, o título de campeão brasileiro tivesse ficado com o necaxa do méxico. com um timinho de um lugar longe. que ninguém sabe a pourra da escalação. ou finge que não sabe. é mais ou menos assim.

abril, chuvas mil. maio, decide caráio.

"abril, chuvas mil!" assim que eu cheguei em portugal era o que eu mais escutava. e corria da chuva e as pessoas falavam a tal expressão. saía da escada rolante do metro sob um cortina de água e um português resmungava: "abirl, chuvas mil." enquanto assistia a previsão do tempo no bom dia, liboa na tv... era só o tiozinho da previsão falar que seria uma segunda-feira chuvosa para o âncora do programa tampar o microfone e falar: "abril, chuvas mil!" faz sentido. em abril, aqui chove. chove muito. chove mil vezes mais do que o normal. a tal expressão também tem uma coisa boa a seu favor, a rima. é fácil de lembrar e auto-explicativa. bom, resumindo, curti a expressão e já sei o que esperar de abril. nunca vou ser pego de surpresa. mas chegou maio. como o calendário insiste, uma hora abril tem que acabar, não tem jeito. o que nos leva ao tema, ao título, ao assunto deste textinho: maio. é, porque se abril, é "abril, chuvas mil." maio, bom, maio é "decide caráio." maio, decide caráio. mais uma vez, maio, decide caráio. explico. este sábado que passou, trinta e três graus. sol. asfalto se desfazendo. senhoras se abanando encostadas nos muros. filas nas sorveterias. aí chega o domingo, doze graus. treze talvez. não mais que isso. e uma chuva fina que fatiava toda e qualquer vontade de sair de casa. de se mover.guarda-chuva saiu da mochila. o casaco mais grosso saiu do cabide. e a máquina de café trabalhou overtime, trabalhou duro. e essa putaria se repete dia sim, dia não. semana sim, semana não. reza a lenda que esse vai ser o verão mais quente de todos os dias. junho vem com tudo. armado pra acabar com a indecisão crônica de maio. nesses nove dias que restam de maio vou divulgar a minha teoria, a minha expressão. quem sabe, quem sabe, ano que vem se você chegar aqui em lisboa nessa época, em maio você não escuta uma nova expressão. ao sair do metro, ao lado de um português todo encasacado-- quando um sol de 38 pegar ele de frente-- ele vai olhar para o lado e vai resmungar... "maio, decide caráio!"

quinta-feira, maio 17, 2007

o vinho de 4 euros e o fígado rosado.

não entendo picas de vinho. sei mais ou menos a diferença entre um tipo de uva e outro. quando tomo um vinho que eu curti, volto a pedir o mesmo. sei que um "sangue de boi", aqueles vinhos em garrafas de 20 litros com aquele trançado de palha ao redor da garrafa não é um bordeaux. sei o basicão. sei evitar uma dor de cabeça na manhã seguinte. já assisti o documentário mondovino e o filme sideways. nunca bochechei vinho e cuspi no copo para comentar do sabor aveludado e dos tons de tanino. quebro um galho. o que nos leva ao tema desse textinho: o vinho de 4 euros. entre 2,99 e 6,99. na média, 4 mangos, 4 euros. os mesmos vinhos que eu comprava no brasil, em são paulo, e que lá custavam entre 30 e 50 reais, aqui custam 4 euros. simples assim. varia um euro para cima. um euro para baixo. se você tem um fígado daqueles rosados, saudáveis, o seu lugar é aqui. pra tomar taças cheias no almoço, taças que transbordam no jantar. com a casa que eu aluguei, veio de brinde um rack daqueles de guardar vinhos. tudo aqui conspira para você colaborar com o aumento do consumo per capita de vinho dos portugueses. existem vários motivos para o preço dos vinhos beirar os 4 euros. portugal é o maior produtor intergalático de cortiça para rolhas de garrafas de vinho. proporcionalmente pelo tamanho da área que ocupa no mapa-mundi, é um dos maiores produtores de vinho, o que continua depois do jantar, com o vinho do porto. se você curte vinhos. se carrega na bolsa um recorte de jornal com alguma notícia de algum estudo que diz que vinho faz bem para o coração—visite portugal. passe uma, duas semanas por aqui. aproveite o clima. aproveite a açorda de gambas. mas aproveite, principalmente, o vinho de 4 euros.

terça-feira, maio 15, 2007

9.7 de cada 10 portugueses fumam.

isto é um fato. você vai trabalhar e volta para casa com a impressão que veio da boate. você vai almoçar e volta para casa cheirando a despedida de soleteiro. você vai jantar e volta defumado. você se torna um fumante. eu devo fumar uns dois cigarros por dia sem querer. fácil. e aí você pergunta, “mas erick, os cigarros daí não têm aqueles adesivos com foto de pulmão carvão, dentes podres?” não, os cigarros daqui têm um adesivo gigante que diz “fumar mata!” fonte grande. daquelas que se pode ler a distância. os portugueses fumam pra cacete. quando o metrô ameaça chegar na estação, basta olhar para o lado para ver um monte de gente já com um cigarro sambando preso nos lábios. e, segundos depois, a escada rolante fica parecendo um show do U2 durante ‘with or withou you”. uma caráiada de isqueiros pipocam acendendo os cigarros. dependendo da música que está tocando no sistema de som do metrô, dá até vontade de chorar. de emoção, não da fumaça nos olhos. o dia que proibirem o cigarro nos bares ou restaurantes aqui, esse país pega fogo. é, porque pelo o que eu notei aqui, todos os restaurantes são divididos em “fumantes para caralho” e “fumo apenas 3 cigarros por refeição”. e não sei se a combinação de doses cavalares de azeite, vinho e caminhadas pelas ladeiras da cidade, mas todos aparentam estar com a saúde perfeita. impressionante. 9.7 de cada 10 portugueses fumam. e um dia você vai trabalhar e volta para casa pensando alguma história na cabeça caso a sua mulher não acredite que você estava mesmo trabalhando – e não na noitada mais selvagem de lisboa.

quarta-feira, maio 09, 2007

liedson e a teoria do pastel de nata.

a teoria do pastel de nata é simples. o pastel de nata é mais gostoso aqui em portugal do que aí no brasil. os ingredientes, pelo menos na teoria, são os mesmos. mas alguma coisa faz com que os pastéis de nata daqui acabem com os daí. espanquem. cubram os pastéis de nata feitos no brasil de porrada. não tem conversa. não tem putaria. não tem nacionalismo nem torcida. é melhor aqui e pronto. bom, mas quem é ou o que é liedson? o liedson para quem não sabe jogava no flamengo e no corinthians aí no brasil. atacante. camisa 9. jogador nota 5,5 aí. e isso, com boa vontade. nada demais. não me lembro de nenhuma jogada memorável do fêla. acho que nunca foi cogitado para jogar na seleção brasileira. no flamengo vivia no banco. mas aqui, aqui o cara é artilheiro isolado do campeonato português. o cara é ídolo. já vi até livro tipo autobiografia nas livrarias: “liedson, minha vida, minhas palavras.” caceta como é que o liedson aprendeu a jogar bola? impressionante. e não é porque os portugueses jogam pior. não, tá cheio de estrangeiros aqui. portugal foi para as semi-finais na copa da alemanha. o brasil, não. ou seja, o campeonato é duro. e o liedson, brilha. como nunca brilhou no brasil. no meu flamengo. fêla da pulta. que porra aconteceu com o liedson? como ele foi virar craque da noite para o dia? capa de jornal? será o ar? será a água? deve ser o pastel de nata. é a teoria do pastel de nata. os mesmos ingredientes, que por algum motivo-- funcionam melhor aqui em portugal do que aí no brasil.

segunda-feira, maio 07, 2007

o buraco negro da ikea.

a ikea daqui é umas vinte e seis vezes do tamanho da tok & stok. o preço, mais ou menos metade. e é isso que fode. o tamanho da loja e o tamaninho dos preços. é um buraco negro. daqueles que você entra segunda e sai quarta-feira. é preocupante. a ikea é um daqueles lugares em que a mulher do alto-falante volta e meia avisa pelas caixas de som: "pelo amor de deus, o dono do adolescente moreno com uma camisa do ac/dc preta, favor aparecer na recepção para resgatá-lo!" você começa a namorar uma poltrona, se aproxima, olha o preço, vê uma que está logo ao lado, vê outra que está ao lado. continua andando, esbarra numa senhora portuguesa e pede desculpas, e aí já vê que você está no corredor dos sofás, olha preço, olha cor, olha modelo, ôpa, estamos agora vendo armários, cozinha, banheiro, e quando você olha para o lado.... cadê a sua mulher? e você se lembra que a última vez que você viu ela, estava comentando sobre uma cadeira. a ikea daqui é foda. fui três vezes no total. é como o louvre. como a disney. não dá pra ver de uma só vez. tem que ir duas, três vezes. ah, e tem que ir combinado de que a sua mulher não vai brigar com você e você não vai brigar com ela. é, porque você vai cismar em comprar uma poltrona zambers que não cabe na sala. ela vai cismar em comprar o kit cozinha 1, 2 e 3. você vai querer a luminária de três metros de altura. ela vai querer o tapete de meia tonelada. vocês vão marcar de se encontrar nos talheres. mas só vão se encontrar nas caixinhas de palha, de acrílico, de madeira, dos designers suecos que ganharam o prêmio nobel. mas no final tudo dá certo. é só pagar mais 80 mangos, euros é claro, pros caras entregarem e montarem na sua casa. e todos vivem felizes para sempre. mas isso é claro, se não se perderem para sempre no buraco negro da ikea.

sexta-feira, maio 04, 2007

a velhinha que mora na frente.

na frente do meu prédio mora uma senhora de uns 106 anos. sem sacanagem. sem exagero. se der mole tem mais. ela é uma senhora curiosa. daquelas que ficam debruçadas na janela, o dia inteiro. com olhos de águia. vestido florido. cabelo armado. óculos de grau. já me acostumei com a senhora. penso nela como se fosse um alarme de primeira geração. uma grade daquelas eletrificadas de são paulo. qualquer bosta que acontecer no meu quarteirão aqui em lisboa, a senhora vai limpar o pigarro da garganta. vai balançar a cabeça. vai soltar um suspiro. um cão de guarda como se não fabrica mais. impossível de imitar como o vestido que ela usa. durmo tranqüilo aqui em lisboa. porque na frente do meu prédio mora uma senhora de uns 106 anos.

pataniscas.

pataniscas são quase bolinhos de bacalhau. um tanto mais moles e maiores. igualmente saborosos. pataniscas de bacalhau. são mais mastigáveis, com uma crosta mais crocante, mais fina, mais dourada. pelo o que eu vi aqui em lisboa, os locais, os lisboetas, mergulham as pataniscas num caldo de feijão grosso com um arroz denso. o negócio é bom. daqueles que depois que acaba você deseja estar usando uma calça de moletom. daquelas com o elástico frouxo.

o dia da mãe. não das mães.

aqui em portugal é dia da mãe. não dia das mães como no brasil. assim mesmo no singular. "compre o seu presente do dia da mãe." é um negócio curioso, mas dá para entender. é uma mãe. cada um tem a sua, então celebre com a sua e deixe a dos outros, com os outros. deixe a dos outros, em paz.

quinta-feira, maio 03, 2007

sportv em lisboa e a escalação do celtic rangers.

aqui em portugal também são dois canais sportv. assim, com a mesma grafia que a nossa. não são da globo. mas também têm monópolio sobre todo e qualquer programa de esporte interessante.do campeonato ibérico de bocha a final dos campeonatos locais. mas os caras são bem mais espertos que a globosat, a net, a globo. aí no brasil, você assina o pacote cocô, e vem a sportv. os dois. aqui você assina o pacote diamante eterno e nada. quer assistir os jogos da liga dos campeões? tem que pagar mais 30 euros por mês para ter sportv. isso, quando o pacote diamante eterno custa 32. ou seja, você paga 32 euros para ter 50 canais. e 62 euros para ter 52. algo por aí. sugestão: se você estiver planejando morar nessas bandas, decore a escalação completa de uns três times europeus. do goleiro ao atacante reserva. aí, quando você chegar na lojinha para fazer a assinatura e o fêla da pulta do outro lado do balcão revelar o esqueminha da sportv, você olha para a sua mulher e diz, com a maior naturalidade que você não consegue viver sem os jogos do celtic rangers da liga escocesa. é, tem que ser uma liga dessas bem sinistras para ela sentir o tamanho da sua paixão pelo futebol europeu. um time daqueles que até o carinha do outro lado do balcão vai se levantar e bater palmas em câmera lenta pra você. e aí, só para não ter dúvida que vale a pena pagar o dobro por mais dois canais que a sua mulher nunca vai assistir, você fala a escalação do dínamo de moscou. sua mulher vai respirar fundo e pensar como tem um marido/namorado que não consegue mesmo viver sem esses canais. se der mole vai até sentir uma pontinha de inveja por não ter uma paixão, um hobby como você. vai por mim. nenhum “ah, porque eu gosto de futebol...” convence uma mulher a pagar o dobro por mais dois canais. decora a pourra da escalação do celtic rangers caráio, não me venha com real madrid que até ela sabe.

quarta-feira, maio 02, 2007

a dança das cadeiras no ônibus 58.

de cada 10 lisboetas, uns 7.4 são idosos. um dado carregado no exagero mas que não deixa de ser quase verdade. e que caráio isso tem a ver com o título desse textinho? bom, hoje foi a primeira vez que eu peguei o buzum, o ônibus, o auto-carro—como eles chamam-- para o trabalho. e, como todo ônibus, os daqui também tem uns lugares reservados para idosos. nada mais justo. mas o que é engraçado aqui, é que, como tem um grande número de idosos, não existe lugares para todos nos ônibus. (é, o fêla da pulta que desenhou o ônibus daqui, não reservou o número certo. o número necessário de cadeiras para os idosos. elas são mais baixas e azuis, eu acho.) então, o que é engraçado aqui é a dança das cadeiras. uma dança sem a música que pára. a dança das cadeiras acontece toda vez que o ônibus pára. é um tal de “pode sentar-se senhora!”, “o senhor, não quer o meu lugar?!” e levanta uma mãe e cede o lugar para uma senhora que antes estava em pé, mas que já na próxima parada oferece o lugar para um senhor um tiquinho mais idoso que ela. e este senhor, já cheio de segundas intenções, recusa o lugar, que vai para um outro senhor que acaba de entrar. e a cada parada, a cena se repete. é uma senhora que vem correndo do final do ônibus para pegar uma cadeira especial que se abriu. é um senhor que se recusa a ser considerado idoso e recusa a cadeira com uma cara como quem grita: “vai dar meia hora de bunda, eu sou mais velho que você mas não exagera.” e tudo isso acontence com uma harmonia impressionante. como um relógio. gente se misturando num zig-zag, trocando lugares, oferecendo, gesticulando, as vezes apenas com um olhar. tudo isso enquanto o auto-carro de número 58 faz uma curva fechada e chega na praça de camões. e eu, bem, eu quase perco o meu ponto observando a tiazinha que fulmina com os olhos uma adolescente que se recusava a se levantar e ceder a cadeira para ela. a dança das cadeiras no ônibus 58.