terça-feira, dezembro 11, 2007

o alarme, a parede e o lionel richie.

dois amigos se encontram na véspera do casamento da ex-namorada de um deles.
sexta-feira de verão, mas com temperatura de outono. o bar está prestes a fechar. eles são de casa, mas o garçom está começando a levantar as cadeiras das outras mesas.

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dinho é casado, pai de uma menina de quatro anos.

andré namora uma menina bem mais bonita do que a luana piovanni mas fantasia com a luana quando está transando com a namorada.
torce para o são paulo é fã dos primeiros discos do titãs.

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andré: - o são paulo.
dinho: - o que tem o são paulo?
andré: - campeão. foi campeão.
dinho: - deve ser bom torcer para o são paulo.
andré: - sabia que não é. não tem lá assim muita graça.
dinho: - como assim?
andré: - o seu time...
dinho: - o que tem o meu time?
andré: - ... faz você sofrer. e aí quando ganha, dá para ver nos seus olhos a alegria. tenho inveja de você.

silêncio.

dinho: - saideira?
andré: - saideira.
dinho: - quantos foram?
andré: - oito cada um?
dinho: - nove.
andré: - não, um foi aquele seu amigo que tomou quando passou para te dar um abraço.
dinho: - o bruno.
andré: - nada contra o bruno. mas existem poucas coisas mais escrotas que amigo que vem dar um alô, toma uma cerveja e vai embora. é como se, só porque nós, eu e você, tomamos mais do que dez chopps, o dele não conta. dilui. não fódi.
dinho: - mas ele ofereceu deixar um dinheiro.
andré: - não, ele perguntou se eu tinha trocado para 50.
dinho: - truque velho. falando no nome dele, me fez lembrar da..
andré: - eu sei.
dinho: - sabe?
andré: - da bruna?
dinho: - isso.
andré: - do casório da bruna?
dinho: - isso.
andré: - do casório da vaca da bruna?
dinho: - calma, vaca, vaca, eu não sei. mas, sim, ela vai casar.
andré: - com aquele babaca do johnny.
dinho: - ele é gente boa.
andré: - ninguém com um apelido como johnny pode ser legal.
dinho: - gente boa, eu disse.
andré: - um filho da puta.
dinho: - cara, mas o que essa mulher fez com você?
andré: - aquela vaca?
dinho: - a bruna.
andré: - a vaca?
dinho: - ok, a vaca.
andré: - então você concorda que ela é uma vaca?
dinho: - não. você é que não queria seguir em frente enquanto eu não chamasse ela de vaca.
andré: - ela acabou comigo.
dinho: - mas isso acontece todos os dias com todo mundo. e você tem uma namorada sensacional.

o garçom se aproxima oferecendo a conta. o copo de chopp, o último, está na metade.

andré: - você acha ela sensacional?
dinho: não sensacional para mim. sensacional para você. ela é bonita. legal. mas não vamos mudar de assunto. conte continue a falar da bruna.
andré: da vaca?
dinho: isso, da vaca.
andré: cara, a gente namorou dois anos. dois anos porra! e um dia, a filha da puta acaba comigo. dois anos.
dinho: - e eu que namorei com a claudinha quase oito e um dia, do nada, acabei com ela. hoje ela está feliz e com quatro filhos.
andré: - é difícil explicar. ele fala baixinho. dois anos. dois. e de repente, puff, acabou.
dinho: - tenta.
andré: - all night long!
dinho: - como?
andré: - cara, eu nunca contei isso para ninguém.
dinho: - explica melhor.
andré: - all night long!
dinho: - all night long?
andré: - all night long!
dinho: - cara... eu não estou entendendo...
andré: - a gente tinha um alarme.
dinho: - alarme?
andré: - isso, que ficava do lado da cama. do meu lado. ou seja...
dinho: - você tinha a obrigação de desligar.
andré: - obrigação não. mas eu tinha que desligar simplesmente porque estava do meu lado da cama.
dinho: - e?
andré: - o alarme era alto para cacete. ou ninguém acordava. dolby stereo surround zamber fuckers.
dinho: - muito?
andré: - porra.
dinho: - e?
andré: - ou ele tocava rádio ou um apito infernal.
dinho: - você escolhia qual?
andré: - rádio.
dinho: - ainda não vi o problema.
andré: - all night long!
dinho: - porra cara, que papo louco...
andré: - um dia, um sábado. o alarme tocou. uma música alta para caralho.
dinho: - que música?
andré: - adivinha?
dinho: - all night long!
andré: - all night long!
dinho: - que música é essa?
andré: - lionel richie. 1983. um clássico.brega, mas um clássico. all night long faz parte daquela lista de músicas que uma vez que você escuta, fodeu. mas fodeu mesmo. apenas uma cirurgia num hospital daqueles de um episódio de x-files-- apenas uma cirurgia experimental consegue fazer você esquecer a carálha da música.
dinho: livin' la vida loca do rick martin?
andré: isso.
dinho: a macarena?
andré: também.
dinho: aquela mela cueca do james blunt... you're a beautiful?
andré: ok, essa também.
dinho: - mas como é a letra da música?
andré: - o refrão é simples... é all night long! umas vinte vezes.
dinho: - vinte?
andré: - e por baixo. bom, naquele dia eu estava cansado. não consegui desligar o alarme. a música tocou na íntegra. e depois, como fazia parte de uma competição de hits, venceu e tocou de novo.
dinho: - all night long?
andré: - quase dez minutos
dinho: - nossa.
andré: - uma semana depois, peguei ela olhando para o vazio. a gente tava no restaurante. e ela olhava para a parede.
dinho: - parede?
andré: - parede é um dos piores sinais. olhou para a parede uma vez, crise. pegou a mulher olhando para a parede duas vezes, fica esperto. três vezes, começa a procurar um apartamento.
dinho: - parede é foda.
andré: - então, era a quarta vez já. e naquela semana. aí eu peguei a mão dela e perguntei o que estava errado.
dinho: - e ela?
andré: - disse que não sabia como dizer.
dinho: - e?
andré: - disse que sempre que olhava para mim só conseguia enxergar uma coisa...
dinho: - uma? mas o que?
andré: - all night long!
dinho: - a música?

andré: - é, a música e o pior, o vídeo clip também. os dois não saiam da cabeça dela. desde o dia do alarme. atormentava ela dia e noite.
dinho: - puta música chata do caralho também.
andré: - ela disse que já tinha tentado de tudo. até psicoterapia e nada. passava o dia repetindo essas palavras na cabeça. sem parar. até dançava sem querer uns passinhos imitando o lionel.
dinho: - também, que azar o seu. foi ficar com sono justo na manhã que tocou all night long!
andré: - all night long!
dinho: - é... foda. que história triste cara. que vaca. Pausa e ele continua: mas também... o alarme ficava do seu lado.
andré: - você também? não fódi.
dinho: - mas não fica assim não. você ainda tem o são paulo.
andré: - é. o são paulo. puta time chato do caralho.
dinho: - nunca perde.
andré: - que graça tem? tenho inveja de você cara.

e, enquanto os dois pagam a conta. o dinho, se lembra do refrão da música e, sem quere começa a cantar baixinho. só o refrão. andré, sem notar, acompanha com um assovio. bem baixinho. quase imperceptível.

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