quinta-feira, novembro 29, 2007

O cotovelo do Felipe. -- uma pequena peça de teatro.





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O cotovelo do Felipe.


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Maria. Ana. Patrícia. Flávia.

Maria é a mais velha apesar de se vestir como a mais nova das quatro.

Ana usa decotes, óculos e costuma falar alto.

Patrícia já foi casada duas vezes e hoje namora um homem casado. Mas ainda não contou
para ninguém.


Flávia é a mais nova. Bonita. Já tentou ballet. Acha que sofre de ninfomania mas é coisa da cabeça dela.


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Um café. Terça-feira, quase noite, quase chuvosa.

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Ana:
- Alguém ligou para a Flávia?
Maria:
- Liguei. Deixei recado na caixa postal. Ela ligou de volta depois. Acho que vai se atrasar um pouco.
Patrícia:
- Ela nunca atende o celular.
Ana:
- Bina.
Maria:
- Bina?
Ana:
- É, a invenção. O identificador de chamadas. O bina, B que Indentifica o Número de A. B, I, N, A. Sabia que foi um brasileiro que inventou o BINA. Mas nunca recebeu um centavo pela invenção? Coitado. Uma invenção daquelas que deixaria qualquer americano rico e como nome de Avenida. Avenida Bina. E o mais irônico é que ele deve sofrer.
Patrícia:
- Porque?
Ana:
- Imagina, sempre que ele liga para cobrar os direitos, algum tipo de reconhecimento. As pessoas não atendem, elas olham no visor do telefone e identificam ele. Tudo porque ele inventou...
Patrícia:
- O bina.
Maria:
- Vocês estão dizendo que ela, a Flávia, não atende pois sabe quem está ligando?
Patrícia:
- Olha quem fala.
Maria:
- Pati, foi uma só vez que eu não atendi. Eu estava transando pô. O cara em cima de mim, aquela coisa de tentar achar a posição certa. Vocês já notaram isso? O sujeito sempre tem uma posição que ele se julga o camisa 10. Sabe? Tipo, o cara faz as preliminares. Beijo aqui. Beijo ali. E quando sente que é o momento, te joga numa posição na cama em que ele acha que é o bam bam bam naquela posiçao. Bom, eu sabia que era você ligando. E eu não transava desde...de...de...
Ana:
- Desde...de....de.... é um tempão hein?
Patrícia:
- Olha a Flávia. Nossa, você viu como aquele cara sentado na entrada, olhou para o cofrinho dela quando ela agachou para pegar o papelzinho do estacionamento?
Ana:
- Ó, não vou dizer que ela fez de propósito. Mas, eu, de vez em quando. Só de vez em quando. Sublinhem, coloquem em negrito e itálico o "de vez em quando." De vez em quando eu faço isso de propósito. Dois dedinhos de peito. Uma leve revelação de coxa. Ou, o cofrinho mesmo. Faz bem para o ego. Muito bem. E não custa nada. Quem não quer ser comentada pelo pessoal da firma na hora do almoço? Eu quero. Já me dissseram que no ranking da firma eu estou em sexto lugar. Que honra. Se tiverem que pensar em alguém na hora de fantasiar com uma mulher da empresa, eu estou no sexto lugar.
Maria:
- Sexto? Na escola uma vez, eu descobri uma listinha no caderno de um menino. Eu era a segunda colocada.
Ana:
- Quem era a primeira?
Maria:
- A professora Cláudia.
Ana:
- E como era ela?
Maria:
- Sardas. Tinha sardas. Peito grande e tinha sardas.
Ana:
Competir com professora é impossível. E com sardinhas e peitos grandes. Essa mulher devia ser um cyborg enviado para a terra para pertubar os moleques. O segundo lugar então era um primeiro lugar quase que técnico.

Patrícia:
- Eu não faço tanta questão de ser comentada na hora do almoço da firma. Muito menos figurar no ranking. Mas, você tem razão. Eu tenho outra tática. Um pedacinho da calcinha de fora. Na parte de trás. Muito pouco. Quase imperceptível. Deixa o cara louco. Ou quase louco. Ok, deixa ele pensando coisas. Principalmente, e olha que eu estou revelando aqui uma tática daquelas que só vocês que são amigas podem saber. Principalmente pedacinho de calcinha com estampa de tigre. Tenho uma que é rosa escuro com estampa de tigre por cima do rosa. Mas só um pedacinho para fora. Funciona sempre.
Flávia:
- Gente, desculpem o atraso. Trânsito.
Ana:
- Tudo bem.
Maria:
- Estávamos dividindo táticas.
Flávia:
- Táticas?
Maria:
- Isso. Táticas para levantar o ego. Chamar a atenção alheia. Dos homens. E o ciúmes das mulheres que estão sentadas logo ao lado.
Flávia:
- Ah, vocês notaram eu derrubando o papel do estacionamento de propósito?
Ana:
- Eu disse.
Flávia:
- Ah, ele é um gatinho e a namorada meio baranga. Pode notar, parecem aqueles namorados que namoram por namorar. Preguiça de procurar. Ele engordou um pouco. Ela engordou mais. Ele tem 28 e ela quase trinta. Quem sabe eu não fiz um favor. Ele olhou. Ela ficou com raiva.
Maria:
- É, os dois não estão lá assim muito felizes.
Flávia:
- E a gente passa o dia presa no trânsito. E agora com essa violência na cidade tem o tal do insulfilme. Vocês já notaram que cada vez menos a gente leva cantada no trânsito? Ninguém consegue ver ninguém. Todo mundo com as janelas fechadas. Tudo escuro. Antes, sei lá, quando eu tinha os meus 18. Era sair na rua com o meu chevettinho para escutar elogios. E só saber que aquele gatinho olhou para o meu cofrinho já me sinto sei lá...
Patrícia:
- Gostosa?
Flávia:
- Desejada.
Maria:
- É, desejada é melhor do que gostosa. Nem toda gostosa é desejada. Sabe qual é a diferença entre desejada e gostosa? Uma mulher desejada até mostra um cofrinho quase sem querer. A gostosa mostra um cofrão, o dia inteiro. Aí perde a graça.
Ana:
- É, o insulfime acabou com as cantadas no trânsito.
Maria:
- Deixa eu ir lá no balcão pegar o café se não o garçom não vem
Flávia:
- O meu é com leite magro e adoçante.
Patrícia:
- Eu quero um uisque. Não quero café.
Ana:
- Uisque?
Patrícia:
- É, cansei dessa coisa de que mulher quando sai bebe café. Toma chá. Homem não. Homem quando sai toma cerveja, toma uisque. Toma caipirinha. Chega em casa bebâdo e está tudo bem. E a gente nessa coisa de comer "quiche com saladinha" e café. Puta prato sem graça. Quiche. Uma empada grande com ingredientes como alho poró e queijo emental. Vê se algum cara senta numa mesa e come qualquer coisa com alho poró. Cansei do alho poró e do café. Uisque.
Ana e Flávia juntas:
- Uisque.
Maria:
- Ok.
Maria se levanta e sai de cena por uns 30 segundos.
Flávia:
- Não sei como falo para ela.
Ana:
- Fala o que?
Flávia:
- Que eu cheguei atrasada porque estava num apart com o Felipe.
Patrícia:
- Felipe, felipe?
Flávia:
- Felipe, felipe.
Ana:
- Felipe, felipe, felipe?
Flávia:
- Felipe, felipe, felipe.
Patrícia:
- Feli...
Flávia:
- Porra, acabei de falar que estava num motel com o felipe e a única coisa que vocês conseguem falar é o nome dele. Parecem EU, meia hora atrás repetindo o nome dele enquanto ele estava em cima de mim.
Patrícia:
- Foi tão bom assim?
Flávia:
- Câimbra. Eu tive câimbra. Eu gritava para ele sair de cima de mim.
Ana:
- É, então não foi bom?
Flávia:
- Até que foi. Foi. Nota 6,7.
Maria chega na mesa com os uisques:
- 6,7? O que é 6,7.
Patrícia:
- A nota que ela deu para um cara depois de transar com ele.
Maria:
- 6,7? É bom ou é ruim.
Ana:
- Depende.
Flávia:
- Depende muito.
Maria:
- Do que por exemplo?
Patrícia:
- Por exemplo: se a transa foi média, mas ele me abraça depois na posição de colher e faz carinho no cabelo. Ganha pontos. A nota sobe.
Ana:
- É, agora, se a transa foi sensacional e ele liga a tv depois ou arruma um jeito de espiar o relógio, aí a nota dele cai.
Maria:
- E esse, o que ele fez para merecer um 6,7?
Flávia:
- Eu senti câimbra no meio. Uma fisgada na batata da perna.
Patrícia:
- E ele achou que ela estava gritando o nome dele... porque estava gostando.
Flávia:
- Para resumir. Senti câimbra e depois ele fez uma massagem. A massagem subiu a nota dele.
Maria:
- Massagem? Então merecia mais que 7.
Flávia:
- Mas é que eu não tive...
Ana:
- Nem fingiu?
Flávia:
- A câimbra.
Maria:
- Claro, de tanto gritar.
Flávia:
- Ele deve ter achado que eu tive.
Maria:
- Aí, ele achou que você teve e não se esforçou mais.
Flávia:
- Isso. Partiu logo para a colherzinha.
Ana:
- É por isso que eu nunca finjo. Cara que consegue me levar para a cama minha amiga tem que trabalhar dobrado. Não tem essa de fingir, concentrar. Eu não fico pensando no Brad Pitt lambuzado de óleo, para tentar ter mais fácil. O cara comigo tem que jogar o melhor jogo da carreira dele. Tem que sair do campo aplaudido de pé pela torcida. Tem que sair com a certeza de que eu nunca mais vou sentir nada igual. Ou melhor, o cara tem que sair com medo que eu não consiga mais me levantar da cama.
Flávia:
- Mas que exigência...
Patrícia:
- É, acho que é um pouco exagerado mas...
Ana:
Pô, gastei uma fortuna colocando esses peitos. Roupa tá cara. Sair de casa, com essa violência é difícil. Aí, se rola, putz, trabalha colega.
Red Bull. Pilula azul. O que for, não pode é me deixar na mão. E numa boa gente, é muito engraçado ver a Samantha do Sex and the City falando de vibrador. Outra coisa é você pegar um carro ir lá na Oscar Freire, dar bom dia para aquela hostess que se acha a mulher mais gostosa do mundo e perguntar onde ficam os vibradores.
Flávia:
- É, você tem toda a razão.

Patrícia:
- Você tem razão. A partir de agora eu vou parar de fingir. Não finjo mais.
Flávia:
- Ah, se o cara for um fofo. Educado. Pagar a conta. Pegar em casa. Ser bem cuidado. Bem vestido. Se eu sentir que ele fez um esforço descomunal para agradar aquela minha noite, aí eu finjo numa boa. Isso é claro, se eu não tiver um de verdade.
Maria:
- Mais um uisque?
Flávia, Ana e Patrícia:
- Mais um.

Maria se levanta e sai de cena por uns 30 segundos.

Patrícia:
- Olha, aproveita que ela saiu e pensa um jeito de falar. De contar para ela que você deu para o Felipe.
Flávia:
- Deu? Que jeito de falar. A gente fez amor.
Ana:
- Ele disse que te amava?
Flávia:
- Não.
Patrícia:
- E você? Disse que amava ele?
Flávia:
- Também não.
Patrícia:
- Então você deu.
Flávia:
- Ok.
Maria:
- Aqui, Black Label. Ele disse que tinha o Red e o Black. Um custa o dobro do outro. Red Label. Black Label. Como a gente nunca bebe. Pedi o mais caro. 12 anos.
Ana:
- Black Label então será.
Flávia:
- Maria, eu dei para o Felipe.
Maria:
- Como?
Flávia:
- É, eu poderia ficar enrolando, adiando. Mas essas duas não param de me olhar. Pronto. Eu dei para o Felipe. Dei. Felipe. Eu dei. Satisfesitas?
Maria:
- Tudo bem.
Ana:
- Tudo bem? Mas é o Felipe.
Maria:
- Ex namorado.
Patrícia:
- Mas é o Felipe.
Maria:
- Ex. Ex, estamos separados. Caramba. Fui eu que quis me separar dele. Numa boa.
Flávia:
- Obrigado Maria. Amiga, juro que não é nada sério. É que, sei lá rolou.
Maria:
- Ele sempre teve uma queda por você.
Patrícia:
- E por mim?
Ana:
- Patrícia, que pergunta.
Maria:
- Uma vez ele comentou de um biquini que você tinha. Disse para eu comprar um igual para mim. Tudo bem.
Flávia:
- Você é uma amigona sabia?
Maria:
- Só uma pergunta.
Flávia:
- Qualquer.
Maria:
- Ele fez aquele negócio em que ele precisa se apoiar no cotovelo direito para executar com perfeição, com você? Na cama, na hora que vocês estavam sabe...?
Flávia:
- Apoiar no cotovelo direito?
Ana:
- Cotovelo?
Maria:
- Ah, então dá para entender porque ele ganhou um 6,7.
Patrícia:
- Porque?
Flávia:
- É, porque?
Maria:
- Nossa, se ele tivesse feito o esqueminha em que ele tem que apoiar com o cotovelo direito na cama para executar com perfeição... você estaria chegando só agora. E ele teria recebido um, sei lá, um 9? 9,8?
Flávia:
- Cotovelo direito apoiado na cama?
Patrícia:
- Cotovelo?

Meia hora depois. Maria e Ana estão sozinhas no taxi a caminho de casa.

Ana:
- Bem que você disse que todo homem tem uma posição em que ele é o camisa 10, o bam bam bam. Quem diria: o cotovelo direito do Felipe. E apoiado na cama.

Maria:
- É mentira. Eu inventei isso na hora, foi para deixar ela daquele jeito. Vai para sempre se achar um pouquinho menos agora. E não vai perguntar para o Felipe porque se perguntar estaria se rebaixando. E se pedir, periga fazer o papel de ridícula. Imagina agora, toda vez que ela transar com ele. Vai ficar lá, olhando para o cotovelo dele. Esperando o cotovelo se apoiar na cama de um jeito diferente.
Ana:
- O cotovelo direito. Que plano diabólico.
Maria:
- Tudo bem, quer ter um cofrinho daqueles, ser a mais gostosa do grupo, eu aguento. Agora, transar com o meu namorado, não! Pausa.
E eu já sabia.
Ana:
- Mas como?
Maria:
- Ela me ligou do apart-hotel para dizer que tinha pegado o recado, que tava no trânsito e que ia se atrasar um pouco. O mesmo apart-hotel que eu sempre ia com o Felipe.
Ana:
- Mas como é que?
Maria:
- Bina.
Ana:
- B que identifica número de A.
Maria:
- Coitado, não recebeu nenhum centavo pela invenção.

Enquanto isso, Flávia está sozinha dirigindo, presa no trânsito.
Flávia coça a cabeça e fala:
- Cotovelo? Cotovelo direito?

É então, logo após pensar no cotovelo e se mostrar frustrada que ela resolve abaixar o vidro do carro girando a manivela.

E, lá de longe, escutamos um cara gritar:
- Gostosa!

Fim.






2 comentários:

Aline disse...

Muito bom!

Anônimo disse...

aline fala isso porque não conhece o meu cotovelo