
- pequena? o que é que você sente por mim?


ela tirou a bateria do laptop.
ela atende o celular depois do quinto toque. do outro lado da linha, uma voz nervosa:

quando ela era pequena, sempre passava na sessão da tarde o filme "a noviça rebelde".
ele não conseguia parar de pensar nas canelas dela.
ela inicia a conversa na cama.
- antônia?
ela dizia que ele dizia que era um agente secreto.
- e então, gostou do corte filipe?
depois de ver o apartamento, ele pergunta para o corretor de imóveis:
- paixão, tá vendo aquela mulher ali?


baseado numa piada.
abre com um casal no momento em que eles, o marido e a mulher-- se sentam numa mesa de um restaurante bem fino. francês. Mas um restaurante fino, fino mesmo. duas estrelas no guia michelin. não três, mas duas. o suficiente para o prato sair bem mais caro do que se imagina.
e o cardápio é apresentado. o casal passa o olho de relance sobre os pratos e pede para o garçom recomendar.
- o chef recomeda o pato. sim, o pato.
o casal então fica com o pato. pato com molho de laranja para os dois.
minutos depois. não cinco, mas quase trinta... o pato chega a mesa. num prato daqueles decorados. com uma cenoura raspada num canto e abobrinhas em fatias quase transparentes no outro. lascas de gengibre. batatas em espuma e um bocadinho de purê de mandioca. e um molho de laranja fino, quase um caramelo desenhado sobre o pato.
mas antes de comer, o garçom pergunta se o casal gostaria de um pouco de suor sobre o pato.
e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, sem achar nada nojento-- a resposta é positiva para ambos. o garçom então começa a correr no mesmo lugar, até que gotículas de suor formam na sua testa-- e então lança gotas fartas de suor sobre o prato. a mulher pede um pouco mais-- que ele acaba por capturar da base da nuca.
minutos depois, ele pergunta se o casal gostaria de uma pitada de catarro. novamente a resposta é positiva. ele então, fecha a entrada de uma das narinas com o auxílio do polegar e assopra uma rajada breve de catarro sobre cada um dos pratos. o casal agradece e segue comendo.
durante a refeição, ele ainda oferece uma pitada de cuspe sobre a salada e pêlos do suvaco sobre a sobremesa. e em ambas ocasiões o pedido foi aceito. e todas as vezes, o casal mandava elogios rasgados para a cozinha. sempre com um sorriso grande no rosto.
para finalizar, uma bufa, um peido do chef sobre a dose de conhaque digestivo dos dois. a taça de conhaque foi levada até a cozinha e-- com a porta ainda aberta-- eles viram o chef encher o copo de gases. nada muito barulhento. sutil.
e finalmente chegou a conta. o marido colocou os óculos de leitura e pediu para a mulher conferir. essa cena se repetiu duas vezes. até que ele, o marido, inconformado com algum dado da conta, chamou o gerente.
- o que foi meu senhor? em que posso ajudar?
- a conta.
- mas o que tem de errado com a conta?
- 68 euros por uma dose de conhaque?
- [silêncio]
- 68 euros!?
- meu senhor, deixe eu conferir este preço...
minutos depois ele volta da cozinha com um sorriso amarelo e diz:
- você me desculpe. mas o preço está certo. o chef disse que antes de bufar sobre o seu conhaque-- havia consumido uma porção de caviar.
- caviar?! ah, tá. você aceita visa?

Homem com seus trinta e mais anos senta-se para comer numa mesa de uma praça de restauração de um centro comercial. A camâra percorre o prato dele (Caldo Verde com um pedaço grande de chouriço agarrado na borda do prato.) e corre pelo braço dele até chegar ao seu rosto. Vemos então que ele tem um tique nervoso no olho direito. Ele pisca uma vez forte e duas vezes mole.
Corta para este mesmo homem a esperar o sinal abrir para atravessar a rua. Camara desvia de várias pessoas que estão ao seu lado e fecha no seu rosto. O tique está ainda mais evidente. Ele pisca duas vezes forte e uma vez bem mole.
Corta para ele no elevador do trabalho. Ele acena para alguém que trabalha com ele e pelo ponto de vista do colega de trabalho, vemos que o tique agora desencadeou algo ainda mais forte. Ele pisca umas três vezes bem forte.
Corta para ele sentado de frente para o seu computador. (O escritório ainda está cheio.) A câmara passeia pela sua mesa e sobe em alta velocidade até frear sobre o seu rosto. Vemos que o tique está mais intenso. Uma gota gorda de suor desce pelo lado esquerdo da testa.
Passagem de tempo. Ele está agora sozinho a frente do computador. O escritório está vazio. Uma senhora encarregada da limpeza olha para ele de canto de olho. Pelo ponto de vista dela identificamos o tique ainda mais intenso.
Corta para ele no seu carro a caminho de casa. Ele liga o rádio. Escutamos o locutor do rádio dizer algo.
LOCUTOR
Previsão de chuva para Lisboa.
Ele fecha a janela do carro. Pelo retrovisor, vemos o tique com uma intensidade quase inexplicável. O carro sai brevemente da trajectória devido a um piscar mais forte.
Corta para ele a entrar em casa. Vemos sobre o chão da sala uma pilha de cartas, uma revista e um jornal do domingo anterior. Ele apanha as cartas e vemos ele jogar sobre a mesa, todas as contas, a revista e após uma breve olhada na manchete velha do jornal, joga também o jornal. Resta em suas mãos uma carta. Uma só. Não endereçada. Ele abre a carta e encontra dentro a típica carta usada por sequestradores. Com cada frase composta por letras recortadas de revistas e jornais.
Enquanto a camara revela o que está escrito, escutamos ele ler em off.:
HOMEM EM OFF:
- Deposite seis bilhões de Euros na conta corrente número
000977 98765 9877 ou eu não liberto você nunca mais.
Assinado: O SEU TIQUE.
- mas minha filha porque você está sofrendo tanto por esse menino?