[seis da tarde, quase sete. mãe e filho na cozinha dividem um pote de requeijão e um pacote de bolacha água e sal. ao fundo passa o SPTV segunda edição na televisão semp-toshiba 19” da sala. mariana godoy apresenta com um terninho vermelho e 300ml de laquê no cabelo. já a mãe está de vestido florido, possivelmente costurado pela vizinha. filho está de bermudão bege quase branco, camisa quase oficial do mengão nº7 . debaixo da mesa, ele brinca com um par de havaianas daquelas brancas-- com bandeirinha do brasil. ele boceja, dá um gole generoso num café com leite que já não está mais morno, olha para a mãe e esboça um assunto. ela ajeita os bifocais, joga aquela correntinha sem-vergonha que mantém os óculos no pescoço pra trás e presta atenção na palavra que escorrega da boca do filho. tudo indica que ele fala assim de propósito. só para fazer ela apertar a vista-- e cultivar mais as rugas.]
- mãe?
- o que foi meu filho?
- você acha mesmo que eu sou parecido com o papai?
- [silêncio]
- mãe?
- eu escutei meu filho.
- então...
- eu não entendi a pergunta?
- você acha que eu sou...
- não, não é isso...eu entendi as palavras... não entendi o que você quis dizer com elas...
- é que...
- é que o que meu filho?
- meu queixo tem uma bundinha.
- como?
- bundinha, meu queixo tem uma bundinha. vai dizer que você nunca percebeu?
- bundinha. bundinha no seu queixo. sei... mas o que isso tem a ver com o seu pai?
- você não tem bundinha no queixo.
- [ela deita a torrada no prato e passa a mão no queixo] é verdade, eu não tenho bundinha.
- [ele aponta para o dele.] e eu tenho.
- bundinha. você já disse isso, meu filho.
- o papai não tem.
- é verdade.
- ele não tem uma bundinha no queixo como a minha.
- [silêncio.]
- genes, mãe.
- genes?
- a bundinha do queixo está nos genes.
- genes.
- não nos seus. nem nos do papai.
- mas o seu pai tem um queixo lindo, meu filho.
- mas não tem bundinha.
- [ela olha para a TV e tenta ler os lábios da mariana godoy] o nariz dele...
- pelo amor de deus, mãe... não vamos desviar...
- bundinha. tá bem. o queixo do seu pai não tem um risco no meio.
- não tem bundinha mãe.
- não tem.
- não.
- é. [ela alcança o controle remoto e aumenta a televisão: flamengo 3, vasco 2.]
bela. a menina que se achava feia.
-
bela nasceu com um nome que descrevia seu rosto, sua pele, sua
personalidade. enfim, bastava bela se apresentar para todos entenderem quem
era ela. "bela, ...
Há 15 anos
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