quinta-feira, dezembro 31, 2009

água no uísque.





- água no uísque.
- o que você quer dizer com água no uísque?
- quando eu era mais nova. acho que tinha uns 17-- eu tinha um namorado que sempre que ficávamos sozinhos na casa do meu pai-- ele colocava água no uísque 25 anos escocês do bar da casa do meu pai.
- mas todo mundo coloca água no uísque. agua mineral, com gás...
- me expliquei errado. primeiro ele, esse meu namorado bebia uma pequena dose do uísque 25 anos-- depois ele acrescentava água na garrafa do uísque para o meu pai não perceber que o nível do líquido da garrafa tinha alterado.
- entendi, água no uísque.
- mas a estratégia da água no uísque tem um ponto sem volta. uma gota de água que quando acrescentada, fode todo o esquema, quando já é impossível pretender que o conteúdo da garrafa ainda é uísque.
- mas isso é óbvio.
- não para dois adolescentes que faziam isso ocasionalmente-- e quase sempre alternando em diferentes garrafas.
- esse seu namoradinho bebia muito?
- um pouco mais que você. mas isso não vem ao caso agora. enfim, chegou o dia que meu pai ao servir o seu querido uísque para um convidado-- que bebia sem gelo ou mesmo água mineral-- e foi aí que deu uma merda generalizada.
- seu pai descobriu na hora?
- o convidado. sem graça-- comentou com o meu pai que o uísque estava aguado. bom, água no uísque. a gente deveria ter feito isso apenas algumas vezes. e variado ainda mais as garrafas. chegamos cedo demais naquilo que os americanos chama de point of no return.
- um ponto sem volta?
- isso. poderíamos ter enganado o paladar do meu pai que só tomava o seu uísque com muito gelo-- por mais algum tempo. mas meu namorado era preguiçoso e não variava as garrafas como deveria e ele descobriu.
- água no uísque.
- água no uísque.
- mas porque esse assunto mesmo?
- você cometeu o mesmo erro.
- eu??!
- sim. há um tempo que você deve estar me traíndo.
- mas... mas que isso meu amor.
- e aqui em casa, seu filho da puta!
- mas, mas...
- sempre que eu viajo a trabalho você aproveita para trazer essa vagabunda aqui em casa.
- mas como você...
- água no uísque. mulher conhece mulher. sabe a importância que uma mulher dá para o seu cabelo.
- e...
- meu shampoo francês e meu condicionador alemão.
- o que é que...
- essa vagabunda quando dormiu aqui usou o meu shampoo e meu condicionador e depois para que eu não notasse, adicionou um pouco de água. mas ela foi preguiçosa. porque eu tenho mais de oito embalagens espalhadas pelo banheiro. mas ela focou naquelas duas. pelos meus cálculos-- minutos antes--enquanto eu tentava lavar o meu cabelo... você trouxe essa mulher aqui para casa umas 4 vezes!! seu filho da puta. não quero mais te ver aqui quando voltar hoje a noite.
- (ele fechou os olhos e disse bem baixinho, com um misto de raiva e arrependimento) água no uísque!!

segunda-feira, dezembro 28, 2009

25

instantes antes da ceia do dia 24.
ele dá um gole grande no vinho tinto. mas não engole de primeira. joga o líquido para uma das bochechas por um segundo antes. ele então olha para ela com a cabeça um pouco inclinada para baixo, como se olhasse por debaixo das próprias sobrancelhas:

- pequena?
- oi.
- amor, eu,bom... eu não comprei nenhum presente para você neste natal.
- tudo bem.
- tudo bem?
- eu também não comprei.
- você sabia que eu não tinha comprado?
- não.
- então porque você não...
- porque o shopping estava lotado.
- e os estacionamentos cheios.
- as filas na lojas gigantescas.
- e os produtos bons...
- já estavam em falta?
- isso.
- [silêncio]
- [silêncio]
- [silêncio]
- mas também tem outra coisa.
- o que?
- eu sabia que ia acordar amanhã ainda com você.
- amanhã
- isso, dia 25. é...acho muito estranho esse negócio de que tem que ser no dia 24. uma obrigação que todos parecem sentir. uma obrigação coletiva. basta notar a troca de olhares silenciosos nas lojas. todos aflitos para chegar em casa no dia 24 com qualquer presente. qualquer um. e tem que ser até aquele dia. até aquele dia ou nehum outro vale. (pausa) essa sensação que todos têm de que o mundo está acabando e que se eu não comprar o presente até o dia 24-- eu sou de alguma maneira--uma pior pessoa. (ela pausa, cata uma uva-passa que tenta escapar da massa do panetone e continua)...porque eu tenho certeza que se a gente se levantar da cama amanhã pela manhã, no dia 25-- e espreitar pela janela-- o mundo ainda estará lá, as ruas estarão lá, a padaria da esquina estará aberta. e o mais importante, eu gostarei de você tanto quanto hoje, a véspera do dia 25. posso comprar o seu presente depois. com calma. com tempo. com carinho. posso buscar aquela coisa que eu sei que só você poderia gostar. e que vai ficar feliz como nenhuma outra pessoa ao receber. por isso.
- [silêncio]
- e você, não comprou porque?
-(ele enche a boca com uma garfada farta de arroz, farofa e perú recheado e diz) - preguiça?



quinta-feira, dezembro 24, 2009

uma das leis universais.



casal está assistindo tv. ele olha para a tv e uma revista quase velha dessas de gadgets-- ao mesmo tempo. ela dá uma mordida num bagel e alcança uma vogue que estava sobre a mesa de centro. ela inicia um diálogo.

- amor?
- oi?
- porque o controle remoto sempre fica com você?
- porque a razão sempre fica com você.
- razão?
- sim, sempre que temos uma discussão, por mais pequena que seja... você tem a razão. sempre. o mínimo que eu posso ter é o controle remoto.
- (silêncio)
- (silêncio)
- (silêncio)
- (silêncio)
- será que é assim com todos os casais do mundo?
- acho que sim. acho que sim. é uma daquelas leis universais.

quinta-feira, dezembro 17, 2009

nomes. e a troca. a pior delas.

sentado na mesa do café da manhã, artur não sabia. mas estava prestes a fazer algo que se arrependeria para o resto da sua vida.
alí, com uma torrada mergulhada em manteiga enterrada na boca, e com um olho deitado sobre o caderno de esportes do jornal-- artur olhou de relance para o cachorro que passou por ele e disse:
- toby! vem cá toby! hoje eu te dou um pedaço da torrada.

naquele exato instante-- do outro lado da mesa, sua mulher largou o copo de leite-- que quebrou ao estourar sobre o chão. ao ver a cena, ele, artur, respirou fundo, fechou os dois olhos com muita muita força. e fez aquela expressão de quem assume que fez algo completamente errado.

ao abrir os olhos, sua mulher já tinha a mão em punho fechado sobre a boca. e enquanto ela segurava o choro de raiva ele chegou a conclusão da merda que tinha feito.

sim, porque trocar o nome da mulher pelo de outra, significa que você pode estar tendo um caso, ou simplesmente lembrou de uma ex-namorada.
mas ele sabia que ao chamar-- com toda aquela naturalidade-- o cão com outro nome, aquilo sim, significava que ele não estava tendo um caso. mas sim, que tinha uma outra família.
porque niguém, niguém chama duas vezes um cão de toby daquele jeito sem ter uma intimidade e um carinho com um cão com aquele nome. e um cão que já esteve naquela situação. ao pé da mesa do café da manhã numa manhã como aquela.

e enquanto o catarro dela ameaçava descer para a boca e a raiva explodir, ela teve a certeza de que todas aquelas viagens à negócios eram na verdade viagens à família.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

os finais



mulher inicia diálogo com o marido após os créditos do filme começam a subir pela tela.

- amor? você gostou do filme?
- gostei, só não gostei muito foi do final.
- mas o final foi feliz.
- esse é o problema.
- você sabia que ele ia pedir ela em casamento no final?
- não. mas sabia que ia ser feliz.
- mas qual é o problema?
- ué, a vida não é só feita de finais felizes.
- (silêncio)
- agora mesmo, você está pensando no que eu acabei de dizer e tenho certeza que se lembrou de vários momentos que poderiam ter acabado melhor no seu dia. na semana. enfim, na vida...

- (silêncio)

- desculpe a dose de realidade. mas é que, a sandra bullock só existe no cinema. (e ao falar esta última frase-- ele de repente nota, lá de longe, a unha do dedão do seu pé direito. gigante e quebrada na ponta-- que lá do fim da cama observava aquela conversa. e da unha não cortada, ele passa a observar a perna branca e um tanto flácida-- que ele prometera para ela que exercitaria na academia. da perna ele passa para a barriga dele, que alí, dobrada naquela posição na cama, parecia ter quase 10 quilos a mais do que quando eles se casaram. ele então inspira fundo e chega rapidamente a conclusão da importância dos finais felizes para a vida e o bem estar do universo. ele enche uma mão de pipoca, se vira para a mulher e diz:

pensando bem. adorei o filme. especialmente o final.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

jornal e o adolescente



- eu não entendo porque você lê o jornal assim, num domingo quase três da tarde-- quando já sabe tudo o que aconteceu no mundo.

- meu filho, rotina, faz parte da minha rotina desde que eu tinha quase a sua idade.

- sei... acho que entendi.
- é mais ou menos como você com aquela sua namoradinha.
- como assim?
- você já sabe que ela vai te fazer de bobo, vai acabar com você, vai querer voltar, vai te dar uns perdidos... mas mesmo sabendo disso antes, você vai continuar vendo ela. rotina.
- (silêncio)
- (silêncio)
- e o flamengo hein pai? o que diz aí no jornal?

anestesia e a marca de batom.



- pedro, essa marca de batom! essa obturação nova! você me traiu com a dentista durante a consulta!!
- acho que você esta exagerando. afinal, eu não senti nada. (pausa) foram apenas uns beijos e eu estava com a boca anestesiada.