quinta-feira, agosto 27, 2009

a madeleine peyroux


- pequena? o que é que você sente por mim?
- carinho.
- amor?
- não, carinho.
- mas você não me ama?
- carinho, sinto carinho por você.
- mas amor, daqueles de filme, tórrido, de último capítulo de novela, paixão... não?
- isso não.
- mas...
- carinho é melhor.
- como assim?
- paixão é inflamável, finito, poderia ser medida em mililitros, centímetros cúbicos.
- e carinho?
- carinho é atemporal. sobrevive calendários, distância, a falta de dinheiro, idade, sobrevive tudo. carinho é ingenuo e sincero.
- paixão não?
- paixão é sexo no elevador, mordida desmedida e briga escandalosa de ciúmes de algo que não faz sentido. carinho é sexo numa quarta-feira chuvosa de férias com meia garrafa de vinho ainda por tomar na cabeceira da cama e-- madeleine peyroux tocando no som do quarto-- baixinho.
- madeleine peyroux?
- madeleine peyroux.
- cantando a versão dela de "river" da joni mitchell?
- pode ser.

de pai para filho.


o pai se aproxima do filho de 16 anos, coloca a mão no ombro dele e inicia uma conversa.
- filho?
- oi pai.
- eu queria dividir uma coisa com você...
- claro.
- um segredo. uma lição. o segredo da felicidade.
- o segredo da felicidade?
- algo que o meu pai contou para mim quando eu tinha a sua idade. e o seu bisavó contou para ele quando ele...
- ...tinha a minha idade.
- isso.
- é algo que você deverá guardar para sempre e contar para o seu filho quando ele tiver a sua idade. e fazer ele prometer que terá a mesma conversa com o filho dele... quando chegar a hora.
- por favor pai. me conte.
- essa sabedoria pode mudar muita coisa na sua vida. é a chave da felicidade. a chave.
- por favor...
- ok...
- (ele respira fundo, aperta o ombro do filho enquanto começa a falar, solta o ar e começa) nunca fale para uma mulher que ela está gorda quando ela perguntar para você. seja forte. resista a tentação de ser sincero, se este for o caso, se a mulher que perguntar-- estiver 5, 10, 15 kilos acima do peso, não dê um pio. sorria e diga que não. se ela estiver 500 gramas acima do peso, resista comentários. qualquer um. mas treine isso na frente do espelho. treine a partir de hoje. você precisa parecer sincero. precisa parecer humano. se você não treinar, ela nota.
- quem?
- todas elas. treine. treine. treine. nunca, nunca fale para uma mulher que ela está gorda.
- mas... mas... esse é o segredo?
- esse é o segredo. pode parecer pouco. pode parecer uma bosta. mas vá por mim. essa pergunta será repetida milhares de vezes na sua vida adulta. e um dia, o cérebro cede e finalmente diz o que pensa.
- e...
- e aí meu filho, a sua vida nunca mais será a mesma.
- [silêncio]
- [silêncio]
- obrigado pai.
- de nada.

ferris.

ela tirou a bateria do laptop.
cancelou a conta no twitter, no blogger e no facebook.
colocou um daqueles avisos automáticos no email "estou de férias..."
desligou o celular.
disse para a família que iria para a neve. foi para a praia.
comprou um filtro solar 45.
todos os 37 livros que sempre quis ler na vida mas nunca teve tempo.
tatuou uma frase em latim no braço esquerdo que não sabia o significado, mas esteticamente, achava linda.

e pensar que ela devia tudo ao matthew broderick.

sim, porque um dia-- na sessão da tarde, enquanto almoçava-- ela, acidentalmente assistiu pela primeira vez o filme "ferris bueller's day off".

naquele dia, ela não voltou para o trabalho, como costumava fazer sempre após o almoço-- tirou a bateria do laptop, cancelou a conta no twitter, no blogger e no facebook...

19:28

ele entra no taxi correndo-- com uma valise preta em uma das mãos e grita para o taxista:
- senhor! siga aquele trânsito!!

quarta-feira, agosto 26, 2009

rsvp

ela atende o celular depois do quinto toque. do outro lado da linha, uma voz nervosa:
- patrícia?
- pedro? oi. diz...
- você não deveria estar na igreja agora? ao meu lado?!
- como?
- é hoje! agora!! o seu casamento!!! o nosso casamento!!!!
- [silêncio]
- a igreja está lotada!! e a recepção?! os meus avós, vieram da polônia, cacete!!!
- [silêncio]
- patrícia!!!?
- eu não r.s.v.p.
- como?!
- paixão, não tinha um número de telemóvel para ligar-- no verso do convite-- e confirmar a presença?!!
- oi?!
- aquele número daquela mulher que ajudou a organizar o casamento, que as pessoas tinham que ligar para confirmar que estariam presente. sabe? e que ajudaria a contabilizar a comida, a bebida...
- e?
- não liguei. não r.s.v.p.

terça-feira, agosto 25, 2009

ana & astolfo



terceira série. 1990 e tal. a professora, com um caderno pautado em uma das mãos, grita enquanto dá mordidas pequenas em um bolo ana maria.

- ana?
- presente!!
- antônio?
- presente!!
- astolfo?
- presente!!!

e, para o resto da vida, astolfo sofreria uma dor indescritível. e para sempre-- culparia-- a ordem alfabética-- por colocar entre ele a sua amada ana, o filho da puta do antônio.

e mesmo anos depois, décadas-- sempre que alguém perguntava se ele estava namorando, ou pelo menos interessado em alguém-- ele sempre gritava bem baixinho, aquele grito contido que acompanha sempre uma batida na mesa com o punho fechado: "ordem alfabética filha da puta!"

2.


e no segundo aniversário de casamento deles-- a crise transformou a promessa de um anel de brilhantes em um bolo cravejado com m&m's.

quinta-feira, agosto 20, 2009

escovas.

eles nunca se casaram na igreja.
eles nunca se casaram no cartório.
ele nunca comprou uma aliança.
ela nunca pediu uma.

um dia, ele comprou duas escovas de dente e um copo quase translúcido.
colocou sobre a pia, acrescentou um tubo de pasta de dente.

e viveram felizes para sempre.

o pé direito alto.

ela casou com ele porque ele era mais alto do que a média.
um dia a luz da sala queimou. ela pediu para ele trocar.
ele não alcançou sem a ajuda de um banco.
a partir daquele dia, ela passou a olhar para ele com menos paixão, menos admiração até.

tudo culpa do pé direito alto.

termina essa porra.


- mas quando você diz que ela é gostosa, você não está exagerando?
- não, ela tem o corpo perfeito.
- muito gostosa?
- eu acho que vou terminar o namoro.
- mas vocês começaram semana passada.
- mas ela é muito gostosa.
- [silêncio]
- tem as pernas mais longas e a barriga mais linda que eu já vi na minha vida.
- mas porque então você vai acabar com ela?
- [silêncio]
- [silêncio]
- não sei se serei capaz de lidar com a sensação--
- que sensação?
- a pior de todas.
- qual?
- a do dia que eu ligar para o telefone dela, ela não atender e entrar na caixa postal.

- mas ela é tão gostosa assim?
- muito.
- termina essa porra.

o contrato e a cláusula 7.

quando ela era pequena, sempre passava na sessão da tarde o filme "a noviça rebelde".
e quando ela já não era pequena, sempre lembrava da cena clássica da julie andrews a correr pelo campo.

mas o que é que isso tem a ver com um contrato e uma cláusula? a cláusula 7. tudo.
certa vez, ao negociar um dos maiores (o maior) contratos de sua carreira profissional, ela negociou tudo. bônus, férias, motorista. um valor que até então nunca havia sido pago para uma pessoa com a idade dela. cada ponto do contrato, uma cláusula rubricada por ela, o diretor da empresa e dois advogados. ao final da negociação e do acerto, ela resolveu, através do seu advogado, incluir uma cláusula. a de número 7.


7.
"quero, uma vez por ano, na primavera, uma tarde livre para correr num espaço descampado. espaço que obrigatoriamente lembre o que foi utilizado como locação no filme 'a noviça rebelde'. todas as reuniões e eventos corporativos deverão ser marcados ao redor deste evento, neste dia de primavera. obrigada."

as canelas dela

ele não conseguia parar de pensar nas canelas dela.
lisas, longas, lindas. as canelas dela mudavam o humor dele.
sempre para melhor, é claro.
um dia ela perguntou para ele: "que parte do meu corpo você gosta mais?"
e ele, educadamente respondeu: "as canelas. amo suas canelas."
ele fez a mesma pergunta e a resposta dela foi igualmente pitoresca:
"o peito do seu pé. o peito do seu pé."

nada de respostas como "bunda, barriga, sorriso, seios..." mas, canelas e peito do pé.

e foi ali que ela descobriu que ele era o homem da vida dela. não porque ele achava as canelas dela-- a parte mais importante do corpo dela.

mas porque ele não achou estranho-- ela gostar-- do peito do pé dele.

terça-feira, agosto 18, 2009

tudo

ela inicia a conversa na cama.

- tudo o que é meu é seu.
- tudo?
- tudo.
- você me ama mesmo assim?
- amo. muito.
- tudo? tudo?
- tudo.
- [silêncio]
- [silêncio]
ele apalpa com a mão o lado direito da barriga, na altura dos rins. ao tocar a ponta do dedo sobre o ponto certo, ele faz uma cara de dor aguda-- olha para ela e diz, na maior calma:
- um rim?

você consegue?

- antônia?
- o que foi meu amor?
- se você pudesse ler pensamentos, você usaria este poder?
- acho que sim.
- mesmo sabendo o quanto eu não gosto da sua mãe?
- acho que sim.
- e mesmo sabendo que acaba de mudar para o apartamento ao lado uma vizinha maravilhosa?
- acho que sim.
- mas que existe a chance de pegarmos o mesmo elevador, os três?
- acho que sim.
- e considerando a frequência que você me pergunta se está magra ou gorda, mesmo sabendo que está fora de forma?
- pensando bem. não preciso. você é muito sincero.
- e isso é bom?
- acho que não.

quantas.


- quantas vezes mais eu terei que dizer que te amo?
- até eu perder a vontade de ir até a geladeira abrir aquela caixa de mini-toblerones.

agente secreto e a diva.

ela dizia que ele dizia que era um agente secreto.
ele dizia que ela dizia que era uma atriz de teatro.
ela dizia que ele dizia que ela dizia que ela era uma atriz de teatro.
ele dizia que ela dizia que ele dizia que ele era um agente secreto.
ela dizia que ele dizia 'eu te amo'
ele dizia que ela dizia 'eu também.'

um dia ele confundiu o endereço do restaurante e não apareceu. e ela, depois, sem graça, não ligou.

ela dizia que ele dizia que o dia que não aparecesse é porque estaria numa missão secreta no leste europeu.
ele dizia que ela dizia que o dia que ela não ligasse é porque estaria numa longa temporada de teatro em buenos aires.

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nunca se soube qual dos dois acreditou mais na mentira que o outro dizia.
se ele no que ela dizia sobre o teatro. ou ela no que ele dizia sobre a espionagem.
agora era esperar acabar a missão secreta que ela dizia que ele dizia fazer parte.
ou a temporada de teatro que ele dizia que ela dizia ser a estrela.

eles nunca mais se viram.

bozano.

- e então, gostou do corte filipe?
- é, é, sim. mas você pode colocar aquele líquido azul debaixo das minhas costeletas? aquele do meu pai.
- bozano, você quer dizer?
- eu não sei ler. mas é aquele pote azul que o senhor sempre mergulha um pedacinho de algodão e coloca debaixo das costeletas -- quando termina de cortar o cabelo do meu pai.
- bozano.
- o senhor pode botar?
- claro.
- [silêncio]
- [silêncio]
- [siliencio]
- pronto.
- obrigado.
- esse cheirinho, de bozano? lembra o seu pai?
- não. lembra o comentário que a minha babá sempre sussurra no ouvido da cozinheira-- quando o meu pai volta para casa-- após cortar o cabelo com o senhor.

quinta-feira, agosto 13, 2009

50% de desconto!


- mãe?
- o que foi meu filho?
- essa roupa...
- o que tem ela?
- quem foi que escolheu? o papai?
- não.
- a senhora?
- não.
- a vovó?
- não.
- quem foi então?
- a promoção.

não estou.

ela inicia uma conversa breve para tentar entender como funcionava a cabeça dele.

- porque você não grava uma mensagem na sua caixa postal?
ele responde:
- porque, se eu não estou, eu não estou. simples assim

o preço.

depois de ver o apartamento, ele pergunta para o corretor de imóveis:

- mas porque este apartamento é tão mas tão mais caro que os outros nesta região?

o corretor abre as persianas, afrouxa a gravata, limpa os óculos com o bafo e diz:

- porque a vizinha de seios fartos, do prédio da frente-- anda completamente nua pela casa entre 17:00 e 22:00. todos os dias.

retribuição.

- paixão, tá vendo aquela mulher ali?
- qual?
- aquela segurando uma bolsa da c&a.
- tô.
- você acha ela bonita?
- sim.
- mais bonita do que eu?
- claro que não.
- mas olha o corpo dela.
- patrícia! mas que conversa é essa?
- não, só estava querendo ter uma conversa franca com você.
- mas...
- eu sei que você acha ela bonita. com um corpo legal... não é porque está comigo que precisa fingir que não acha... nós estamos casados desde... de...de.... bom, não tem problema olhar...
- posso te perguntar uma coisa?
- claro.
- mas você responde com sinceridade?
- sempre.
- você quer olhar para aquele sujeito que está passando-- que acaba de sair da academia, sem culpa?
- sim.

chato.


- o woody allen é inteligente.
- mas você está afirmando alguma coisa ou está dizendo?
- não entendi?
- amor, você está dando uma opinião sua, formada, ou está simplesmente repetindo o óbvio?
- marcelo, é uma constatação. acabei de ver uma foto dele numa revista... estava apenas puxando assunto.
- então você estava repetindo, falando algo que já ouviu. o óbvio.
- quando?
- quando o que?
- você ficou assim, chato para caralho?
- mas você está afirmando ou perguntando, como se tivesse dúvida sobre isso e precisa da minha opinião para tirar conclusões?

sexta-feira, agosto 07, 2009

um sujeito carente e sem sono.


- linda?
- o que foi?
- você ainda está acordada?
- não estou falando com você?
- [silêncio]
- sim, estou acordada.
- você está pensando em que?
- nada.
- em mim?
- em nada.
- eu estava pensando em você.
- que bom.
- mas você...
- não, não estava.
- mas...
- amor... deixa eu tentar dormir...
- mas você pode tentar?
- pensar em você?
- não é assim que funciona, você sabe.
- mas...
- ok, eu tento. eu tento.
- amor?
- oi?
- quer que eu coloque a nossa música de fundo para ajudar?
- pelo amor de deus, deixa eu dormir...
- mas você vai tentar né? pensar em mim, enquanto estiver dormindo...
- eu ia.
- não vai mais?
- não.
- brad pitt né?
- sim.

paris.



- amor?

- oi?
- o que você quer de presente de casamento?
- um clichê.

- um clichê?
- sim, o maior deles.

quinta-feira, agosto 06, 2009

mini-pequena-curtíssima idéia para um curta.


baseado numa piada.


abre com um casal no momento em que eles, o marido e a mulher-- se sentam numa mesa de um restaurante bem fino. francês. Mas um restaurante fino, fino mesmo. duas estrelas no guia michelin. não três, mas duas. o suficiente para o prato sair bem mais caro do que se imagina.

e o cardápio é apresentado. o casal passa o olho de relance sobre os pratos e pede para o garçom recomendar.


- o chef recomeda o pato. sim, o pato.

o casal então fica com o pato. pato com molho de laranja para os dois.

minutos depois. não cinco, mas quase trinta... o pato chega a mesa. num prato daqueles decorados. com uma cenoura raspada num canto e abobrinhas em fatias quase transparentes no outro. lascas de gengibre. batatas em espuma e um bocadinho de purê de mandioca. e um molho de laranja fino, quase um caramelo desenhado sobre o pato.

mas antes de comer, o garçom pergunta se o casal gostaria de um pouco de suor sobre o pato.

e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, sem achar nada nojento-- a resposta é positiva para ambos. o garçom então começa a correr no mesmo lugar, até que gotículas de suor formam na sua testa-- e então lança gotas fartas de suor sobre o prato. a mulher pede um pouco mais-- que ele acaba por capturar da base da nuca.

minutos depois, ele pergunta se o casal gostaria de uma pitada de catarro. novamente a resposta é positiva. ele então, fecha a entrada de uma das narinas com o auxílio do polegar e assopra uma rajada breve de catarro sobre cada um dos pratos. o casal agradece e segue comendo.

durante a refeição, ele ainda oferece uma pitada de cuspe sobre a salada e pêlos do suvaco sobre a sobremesa. e em ambas ocasiões o pedido foi aceito. e todas as vezes, o casal mandava elogios rasgados para a cozinha. sempre com um sorriso grande no rosto.

para finalizar, uma bufa, um peido do chef sobre a dose de conhaque digestivo dos dois. a taça de conhaque foi levada até a cozinha e-- com a porta ainda aberta-- eles viram o chef encher o copo de gases. nada muito barulhento. sutil.

e finalmente chegou a conta. o marido colocou os óculos de leitura e pediu para a mulher conferir. essa cena se repetiu duas vezes. até que ele, o marido, inconformado com algum dado da conta, chamou o gerente.

- o que foi meu senhor? em que posso ajudar?

- a conta.

- mas o que tem de errado com a conta?

- 68 euros por uma dose de conhaque?

- [silêncio]

- 68 euros!?

- meu senhor, deixe eu conferir este preço...

minutos depois ele volta da cozinha com um sorriso amarelo e diz:

- você me desculpe. mas o preço está certo. o chef disse que antes de bufar sobre o seu conhaque-- havia consumido uma porção de caviar.

- caviar?! ah, tá. você aceita visa?

terça-feira, agosto 04, 2009

O TIQUE - uma idéia para um pequeno-mini-curta



Homem com seus trinta e mais anos senta-se para comer numa mesa de uma praça de restauração de um centro comercial. A camâra percorre o prato dele (Caldo Verde com um pedaço grande de chouriço agarrado na borda do prato.) e corre pelo braço dele até chegar ao seu rosto. Vemos então que ele tem um tique nervoso no olho direito. Ele pisca uma vez forte e duas vezes mole.


Corta para este mesmo homem a esperar o sinal abrir para atravessar a rua. Camara desvia de várias pessoas que estão ao seu lado e fecha no seu rosto. O tique está ainda mais evidente. Ele pisca duas vezes forte e uma vez bem mole.


Corta para ele no elevador do trabalho. Ele acena para alguém que trabalha com ele e pelo ponto de vista do colega de trabalho, vemos que o tique agora desencadeou algo ainda mais forte. Ele pisca umas três vezes bem forte.


Corta para ele sentado de frente para o seu computador. (O escritório ainda está cheio.) A câmara passeia pela sua mesa e sobe em alta velocidade até frear sobre o seu rosto. Vemos que o tique está mais intenso. Uma gota gorda de suor desce pelo lado esquerdo da testa.


Passagem de tempo. Ele está agora sozinho a frente do computador. O escritório está vazio. Uma senhora encarregada da limpeza olha para ele de canto de olho. Pelo ponto de vista dela identificamos o tique ainda mais intenso.


Corta para ele no seu carro a caminho de casa. Ele liga o rádio. Escutamos o locutor do rádio dizer algo.


LOCUTOR

Previsão de chuva para Lisboa.

Ele fecha a janela do carro. Pelo retrovisor, vemos o tique com uma intensidade quase inexplicável. O carro sai brevemente da trajectória devido a um piscar mais forte.

Corta para ele a entrar em casa. Vemos sobre o chão da sala uma pilha de cartas, uma revista e um jornal do domingo anterior. Ele apanha as cartas e vemos ele jogar sobre a mesa, todas as contas, a revista e após uma breve olhada na manchete velha do jornal, joga também o jornal. Resta em suas mãos uma carta. Uma só. Não endereçada. Ele abre a carta e encontra dentro a típica carta usada por sequestradores. Com cada frase composta por letras recortadas de revistas e jornais.

Enquanto a camara revela o que está escrito, escutamos ele ler em off.:


HOMEM EM OFF:

- Deposite seis bilhões de Euros na conta corrente número

000977 98765 9877 ou eu não liberto você nunca mais.

Assinado: O SEU TIQUE.


teorias dela.

- mas minha filha porque você está sofrendo tanto por esse menino?
- não consigo explicar.
- mas minha filha, ele é o seu primeiro namorado. você ainda terá outros.
- mas é difícil.
- passa.
- não passa.
- confia em mim.
- confia você em mim.
- é que...
- é que o que?
- ele acabou comigo.
- mas é assim minha filha. as vezes é você que acaba. as vezes é o namorado.
- você não está me entendendo. eu não gostava mais dele.
- então...
- mas ele acabou comigo.
- mas se você não gostava mais dele... foi bom, não?
- não, porque eu queria acabar com ele. mas ele acabou comigo antes. filho da puta.
- mas que bobeira. deixa para lá. ele fez um favor.
- acho que eu vou ligar para ele chorando. como é que está a minha cara. se ele chegar aqui parece que eu estava chorando muito?
- mais ou menos.
- me empresta aquela sua maquiagem que borra.
- mas...
- eu vou implorar para ele voltar quando ele chegar aqui.
- para que? mas para que?
- para terminar com ele depois.

menu de bebidas.

uma bebida se aproxima da outra no balcão de um bar movimentado:
- quanto?
- você tá me achando com cara de vagabunda?
- quanto?
- olha, eu não sou assim fácil não hein?
- [silêncio]
- [silêncio]
- [silêncio]
- 9 euros se for com gin gordon. 12, se for bombay saphire e 14, tanqueray.