terça-feira, agosto 24, 2004

quando a azeitona fudeu o pastel.

azeitona é um troço oleoso com um caroço quase do tamanho dela no meio. partindo desse ponto, eu já acho azeitona uma coisa escrota. pensa só: quase 90% do produto é caroço. e azeitona não é barato não. é caro. principalmente se vc comprar uma daquelas roxas grandonas com uma lasca de tomate agarrada no buraquinho. peguei raiva de couvert por causa delas. vai tomar no cú. vai me cobrar 6,50 por três mini-pães, um quadradinho congelado de manteiga e uma pá de azeitonas. mas não é sobre isso que eu queria falar. queria falar sobre o pastel. é. eu adorava pastel. com aquela casca dourada e crocante. aquele ventinho quente que entrava boca adentro com a primeira mordida. até o dia que eu dei uma puta dentada num pastel com uma azeitona abraçada com o queijo. nunca mais comi pastel da mesma maneira. é como uma criança que quase se afoga quando pequena, e nunca mais entra na água da mesma maneira. sempre com medo. com cautela. com cagaço. a azeitona fudeu o pastel. o meu pastel. é por isso que eu tenho raiva dela. por causa da azeitona, já me queimei, vasculhando o interior do pastel--roçando o dedo sobre o queijo borbulhante. isso não passa de um desabafo. hoje, vou sair pra tomar um chopp com amigos. vou ficar namorando o pastel de longe. o pastel que eu idolatrava. antes de bater de frente com a azeitona.

segunda-feira, agosto 16, 2004

os "servidores de cupim anônimos" ou s.c.a.

aqui na firma, volta e meia, o almoço é na churrascaria. é perto. baratinho e rápido. e, depois de frequentar o mesmo lugar tantas vezes, notei uma coisa hoje. é. o carinha que serve o cupim não estava lá. tinha um cara diferente no lugar dele. fiquei receoso de perguntar o que tinha acontecido. mas, depois de ver as pessoas rejeitando o cupim pela centésima vez, descobri aonde ele foi parar. acho que o carinha que servia o cupim está frequentando um grupo de apoio. um grupo criado especialmente para os servidores de cupim. os "servidores de cupim anônimos" ou s.c.a. só pode ser. enquanto eu observava o garçom novo sendo rejeitado pelo salão inteiro, tive flashbacks. me lembrei das mais de 50 vezes que eu fui comer lá e fiz cara feia pro garçom do cupim. com cara de nojo. me lembrei do esforço que o fila da puta tinha que fazer pra carregar a porra do cupim pelo restaurante. o suor acumulado na testa e debaixo dos braços. e por último, imaginei ele, voltando pra cozinha todos os dias com o cupim inteiro. a peça intocada. já queimada de tanto ser requentada na brasa. é. o tiozinho do cupim foi substituído por um outro cara que não sabe no que está se metendo. nessa batalha emocional que é servir o cupim. ou melhor, não servir o cupim. a rejeição. o sinal vermelho na mesa. hoje deve ser o primeiro dia do garçom antigo no s.c.a. no "servidores de cupim anônimos". enquanto eu pagava a conta e me preparava pra sair da churrascaria, pensei no que ele estaria dizendo para o grupo de apoio: "meu nome é severino. e como vocês, também sirvo cupim. mas ninguém sabe que eu existo...não durmo... perdi o apetite...minha mulher não me entende. meus filhos não me respeitam. eu sirvo cupim!!!!!!" e o grupo, todos eles garçons de churrascaria-- recebem ele de braços abertos: "seja bem-vindo severino! nós também servimos cupim!" é. vou ficar torcendo pela recuperação dele.

segunda-feira, agosto 09, 2004

na orelha.

existem alguns sinais bem claros de que você está envelhecendo. o primeiro e mais óbvio é claro, é a sua idade. as rugas que nascem nos cantos dos olhos também são sinais clássicos de que a velhice não só bateu na sua porta como está de mudança para o quarto de hóspedes da sua casa. mas tem um sinal, um sinal que é foda. esse sinal indica claramente que está tudo perdido, você é oficialmente um coroa. esse sinal anuncia para o grande público que você entrou de vez em uma nova fase: a fase em que você é um dos poucos que ainda se lembra de seriados como "duro na queda", "casal 20" e "supermáquina". esse sinal é um tanto difícil de notar. tem que procurar direitinho. olhar com cuidado. mas uma vez que você enxerga, fudeu. não consegue mais tirar os olhos dele. ele salta. como se tivesse um par de holofotes permanentemente acesos sobre ele. e que sinal é esse? caráio-- eu estou falando do cabelo na orelha! cabelo na orelha. fios de cabelo bem fininhos que descem pelo lóbulo da orelha como se fossem trepadeiras-- numa parede branca descascada. olhando no espelho esses dias eu me dei conta: estou com cabelo na orelha. é sério. hoje quando me olho no espelho, para fazer a barba por exemplo, só consigo ver o cabelo da orelha. é foda. mas tenho que segurar a onda. sem dramas. é só mais um sinal. a vida é assim mesmo. rugas nos cantos dos olhos. o odômetro da carteira de identidade rodando. e é claro, cabelos na orelha. domingo entrei no elevador com uma mãe e uma filhinha. eu moro no quinto. as duas apertaram o décimo andar. e, quando o elevador chegou no meu andar, a mãe olhou para a filha e disse bem baixinho: "se afasta e deixa esse "senhor" passar que é o andar dele, minha filha..." é, ela me chamou de "senhor". ela deve ter notado que eu tinha cabelos na orelha. na orelha.